Em 1754, um episódio quase esquecido da história colonial brasileira envolveu diretamente Jundiaí e duas mulheres da cidade: Thereza Leyte e sua filha, Escholástica Pinta da Silva. Mãe e filha foram acusadas de bruxaria após a morte de Manoel Garcia, marido de Escholástica. O caso chegou à Justiça Eclesiástica com acusações bizarras: a jovem teria cegado o marido apenas com o toque das mãos sobre suas pálpebras e causado feridas nas pernas dele por encostar nelas.
O que parece uma lenda foi, na verdade, um conflito por herança. Familiares de Manoel, interessados em suas posses — especialmente os indígenas escravizados que ele "administrava" — decidiram incriminar as duas mulheres para tomar o controle dos bens. Quem revela isso é a filóloga Narayan Porto, da USP, que estudou o caso em manuscritos originais do século 18, hoje sob guarda da Cúria Metropolitana de São Paulo.
Francisco, um homem negro escravizado, foi peça central na denúncia. Contratado pelos acusadores, ele espalhou boatos sobre a prática de feitiçaria pelas mulheres. Mas, quando a farsa foi descoberta, a punição caiu somente sobre ele: Francisco foi açoitado publicamente pelo pai de Escholástica, que também era juiz de ofício — uma espécie de autoridade civil da época.
Mesmo com a atuação da Inquisição Portuguesa no Brasil desde 1536, o caso das “bruxas de Jundiaí” não chegou a ser levado a Lisboa, onde funcionavam os tribunais inquisitoriais. O processo acabou encerrado localmente por falta de provas contra as acusadas.
Mais de dois séculos depois, a história ainda impressiona: mulheres perseguidas, bens cobiçados, mentiras instrumentalizadas — e, como sempre, a corda arrebentando do lado mais fraco. Em tempos em que se discute memória e justiça histórica, as “bruxas” de Jundiaí nos lembram o quanto o passado molda o presente.